Com uma diversidade cultural tão expressiva quanto o seu vasto território, Brasil tem suas estórias e lendas brasileiras espalhadas pelos quatro cantos do país.
As lendas brasileiras pequenas ou grandes são igualmente fascinantes e marcam as tradições e costumes do povo. Passadas de geração em geração, compartilham das influências de outras culturas e representam, através das festas populares, danças, cantos e brincadeiras, nossa própria identidade sociocultural.
Da mesma forma, as lendas urbanas brasileiras folclore, não apenas as folclóricas são de interesse comum, mas não é sobre elas que falaremos nesse artigo. Se prepare para conhecer os mitos e lendas brasileiras mais marcantes da história!
1. Lenda do Saci Pererê
Vamos começar essa lista com uma das lendas brasileiras do folclore mais conhecidas de todos os tempos. Desde a infância escutamos a lenda de um menino espevitado de uma perna só que mora no meio da floresta. Já sabe quem é?
Ele protege os animais contra os caçadores e é o protetor das ervas e plantas medicinais. Usa um gorro vermelho que o permite correr mais rápido que os demais, tão rápido que chega a formar um redemoinho sob seus pés!
Seu passatempo favorito é brincar de assustar as pessoas e os animais. Entre as principais travessuras que o Saci apronta está fazer tranças ou dar nós nas crinas e rabos de cavalos e esconder objetos diversos.
Mas também adora trocar o sal pelo açúcar na cozinha para causar confusão e distrair quem estiver cozinhando. E se escutar um assobio estridente e não conseguir identificar de onde vem, pode ser que seja ele querendo te incomodar.
De todas formas, há um jeito de capturar o Saci. Você só vai precisar de dois ingredientes: uma garrafa com uma cruz desenhada e uma peneira.
No momento em que ele cria o redemoinho é preciso projetar a peneira bem no meio e em seguida, puxar para guardá-lo dentro da garrafa. Também é preciso tirar o gorro da sua cabeça para que ele perca seus poderes. A cruz na garrafa também vai impedir que ele fuja.
Ainda que seja representado majoritariamente como uma criança, e as suas atitudes sejam características dessa idade, por vezes também é retratado como um jovem adolescente que fuma cachimbo.
Outra característica que causa controvérsia é a sua estatura. Alguns acreditam que pode variar de meio metro de altura a até 3 metros!
O surgimento dessa lenda brasileira
Com influências indígenas e africanas, o aparecimento dessa lenda antecede o século XIX e tem origem na região sul do país, embora hoje em dia seja nacionalmente conhecida.
Em cada parte do Brasil o Saci é chamado por diferentes variações do mesmo nome, algumas delas são: Saci-Saçurá, Saci-Cererê ou Saci-Trique. Porém, se estima que o nome tenha origem em um pássaro, do tupi-guarani Matintape’re, também conhecido como Martim-pererê, Matimpererê ou Sa’si.
Diz a lenda que o Saci nasce de um broto de bambu, onde mora até os sete anos. Passado esse tempo, vive por mais setenta e sete anos e ao morrer, se torna um cogumelo venenoso.
Muitos podem se perguntar qual seria o motivo pelo qual esse menino ou ser mítico teria apenas uma perna. Algumas das principais respostas para essa pergunta indicam que Saci perdeu uma das pernas em uma luta de capoeira ou, ainda pior, para escapar da escravidão cortou a própria perna e fugiu.
Qual das duas faz mais sentido para você?
Relação com outras culturas
Seja pelo gorro vermelho, o cachimbo que fuma ou os poderes sobrenaturais, algumas características do Saci tem relação com o folclore de outros países. Um exemplo é o caso do Trasgo, nome do personagem da lenda de origem portuguesa com atributos semelhantes aos do Saci.
Popularização da lenda pelo Brasil
Em 1918, o escritor e folclorista Monteiro Lobato publicou o primeiro livro sobre a lenda do Saci no Brasil, intitulado «Sacy-pererê: resultado de um inquérito». Logo, em 1921, o autor adaptou a lenda e a lançou na coleção Sítio do pica-pau-amarelo, com foco no público infantil.
O sucesso foi tanto que virou programa de televisão que acompanhou gerações, além de ter estimulado a criação de desenhos e séries com foco no folclore nacional.
Dia do Saci-Pererê
No dia 31 de outubro de 2003 foi criado o Dia do Saci, mas apenas em 2013 a data foi oficializada pelo Congresso Nacional.
Com a Lei Federal de nº 2.479 se busca promover o resgate e a valorização da cultura popular. E não é por acaso que o Projeto de Lei foi sancionado nesse dia. A famosa «festa das bruxas», também conhecida como Halloween e celebrada no mesmo dia em diversas partes do mundo, se difundiu amplamente no território brasileiro.
A Dia do Saci surgiu, então, como forma de propor uma alternativa, oferecendo uma celebração que manifestasse nossa própria cultura.
2. Lenda do Curupira
Esse personagem folclórico de origem indígena, tem como características principais o cabelo vermelho e os pés virados para trás, isso mesmo que você leu!
Conhecido por sua notável força e agilidade e representado pela figura de um anão, muito provavelmente por isso, seu nome, de origem tupi-guarani significa “corpo de menino”.
Outras características comumente associadas a esse ser mítico são os olhos ou dentes verdes e o corpo peludo. Sua função é a de protetor das matas, plantas e animais da floresta. Ele não gosta de lugares cheios ou da presença de muitas pessoas, por isso, se esconde.
Conta a lenda que ele aterroriza os que entram na mata com más intenções, seja para caçar ou derrubar árvores. Com suas pegadas inversas, causa confusão e engana aqueles que tentam capturá-lo, além de ter a habilidade de invisibilizar uma presa para evitar que a matem.
Ele consegue se disfarçar e faz uso de sinais e ruídos como assobios contínuos e desconcertantes. Com isso, ao chegar perto demais do Curupira e não serem capazes de identificar de onde o som é emitido, os caçadores perdem o senso de direção e esquecem o caminho de volta.
Se caso encontrar com ele na floresta, segundo a lenda é necessário fazer um nó bem amarrado em um cipó. Outra opção é fincar três cruzes de madeira formando um triângulo no solo, e com isso se ganha tempo suficiente para fugir.
Origem dessa lenda brasileira
Muito famosa no norte do Brasil, alguns folcloristas afirmam que o Curupira surgiu de um povo indígena dessa região chamado Nauas. Logo, se espalhou até chegar a outras culturas da América do Sul, como os Tupis e Guaranis.
Também é possível observar a presença de personagens semelhantes ao Curupira em lendas como a chudiachaque de origem inca, e máguare no folclore venezuelano.
Conhecido como “demônio da floresta” ou “espírito da floresta” é uma das lendas brasileiras do folclore mais antigas. Os registros dessas narrativas remontam ao século XVI, sendo o primeiro deles feito por José de Anchieta em 1560.
Os próprios índios temiam e evitavam o enfrentamento com o Curupira, oferecendo assim, na entrada das trilhas e da mata, fumo e cachaça, além de outros artefatos como penas e flechas, tudo com a intenção de garantir um retorno são e salvo à casa.
Eles acreditavam que o Curupira aterrorizava e castigava aqueles que entravam na floresta e que corpos de pessoas encontradas mortas por lá eram presas dele. Por outro lado, se acredita que ele só pune aqueles que desrespeitam a natureza, aqueles que tiram dela o seu sustento não são castigados.
Também se conta que o Curupira tinha o costume de enfeitiçar e roubar crianças. Após se divertir e ensiná-las a cuidar da floresta, elas eram devolvidas passados sete anos.
Por conta do seu papel de protetor da fauna e flora amazônica, no dia 17 de julho é comemorado o Dia da Proteção das Florestas, tendo como seu representante essa figura emblemática conhecida por proteger nossas matas.
3. Lenda do Caipora
Também conhecida como “Caipora do Mato” pode ser retratada tanto por um homem como por uma mulher. Seu nome, do tupi-guarani caapora significa “habitante do mato”. Por vezes é confundida com o Curupira, já que os dois são considerados protetores da floresta e dos animais.
Em algumas versões da lenda, que variam de região para região dentro do país, acredita-se que eles sejam primos. Ambos tem várias características em comum, como a baixa estatura, os cabelos avermelhados, dentes verdes e uma força eminente.
Mas para além disso, acredita-se que a força da Caipora se expande em dias santos bem como nos finais de semana.
Foi em meados do século XVI que se ouviram os primeiros relatos dessa lenda tradicional que é uma das mais difundidas e adaptadas do país.
Na maioria deles ela se apresenta com os pés virados para frente, diferente do Curupira e é capaz de controlar os animais, os espantando quando pressente algum perigo, além de ter o poder de ressuscitá-los.
Essa índia de orelhas pontiagudas é considerada uma espécie de duende por alguns. Ela tem a pele vermelha e anda nua ou com vestimentas indígenas em cima de um porco-do-mato, também conhecido como javali ou caititu, com uma lança ou vara pontiaguda em mãos.
Quando avista algum caçador na floresta, uiva e grita para assustar os invasores, e faz de tudo para que eles não matem mais animais do que o estritamente necessário para sua própria sobrevivência.
Por vezes também é vista como canibal e traiçoeira, pactando acordos com os caçadores e nem sempre cumprindo sua palavra. Para escapar ou tentar evitar o confronto com ela, se recomenda fazer uma oferenda deixando fumo de corda no tronco de uma árvore.
Assim como na lenda do Curupira, os índios temiam a Caipora e quando tinham que caminhar pela mata à noite, usavam tochas de fogo para evitar a sua aproximação, já que acreditavam que ela tinha medo da claridade.
Outros países como Uruguai, Paraguai, Chile e Argentina também representam a Caipora em suas próprias culturas.
Nesses dois últimos, conhecidos como a Lenda de Anchimallen e a Lenda de Yastay.
O que é o Caiporismo?
Ao ser conhecida por trazer má sorte, ao decorrer dos séculos se estabeleceu o conceito de “caiporismo” para definir uma pessoa azarada. Assim, se diz que uma pessoa “está com a caipora” quando está passando por momentos difíceis.
Também esse conceito se vê representado em diversos momentos na literatura, antropologia e até mesmo em programa de televisão.
4. Lenda do Boitatá
Descrita como uma grande cobra de fogo com muitos olhos dos quais saem chamas, o Boitatá vive nos rios e protege as florestas das queimadas criminosas, podendo se transformar em um tronco para atingir e matar os homens que incendeiam as matas.
Ainda assim, o fogo que ele lança contra os que causam danos ao meio ambiente não queima as árvores nem se apaga nas águas. De origem tupi-guarani, boi significa cobra e tata, fogo, daí a origem do nome.
Acredita-se que quem olha nos olhos dessa cobra pode ficar cego, louco ou mesmo morrer! Para evitar que isso acontecesse, deveriam ficar parados, de olhos fechado e prendendo a respiração até que a cobra desaparecesse.
Como quase todos os mitos e lendas brasileiras do folclore, essa também se viu modificada no decorrer dos anos.
A depender da região do Brasil, existem variações no próprio nome, podendo ser chamada de Baitatá, Biatatá, Bitatá ou Batatão.
Essa lenda, também de origem indígena, conta que após um forte temporal que deixou muitos animais mortos e feridos, essa enorme cobra despertou esfomeada e comeu os olhos de muitos desses animais que boiavam sobre as águas.
A partir desse momento, passou a emanar uma intensa luz que se destacava através da sua pele transparente.
Os índios, que a chamavam de Baetatá, segundo os relatos do padre jesuíta José de Anchieta em 1560, acreditavam que ela era tão mortal quanto o próprio Curupira.
Aplicavam a ela o fenômeno hoje conhecido como do fogo-fátuo, uma flama desvanecida que se revela naturalmente na decomposição da matéria orgânica.
Alguns estudiosos indicam que foi o efeito do fogo-fátuo que gerou a lenda, já que o movimento sinuoso gerado por esse acontecimento lembra o das cobras.
Variações de uma mesma lenda
No norte do país, o Boitatá é visto como a “Alma dos compadres e das comadres” representando as almas penadas malignas e os não batizados. No Nordeste, também é conhecido como “fogo corredor”.
Já no sul do Brasil, ao invés de uma cobra o Boitatá é um touro de um olho só, localizado no meio da testa e que solta fogo pelo nariz e boca.
5. Lenda da Iara
Conhecida também como mãe d’água, Iara ou Uiara é uma sereia comumente descrita pelos seus cabelos longos e pretos e olhos castanhos. Todas as noites sai do mar e com o seu canto suave, atrai e hipnotiza os homens com a finalidade de matá-los.
Metade mulher metade peixe, a lenda disseminada pelos índios tupi-guarani da região norte do país conta a estória dessa cativante índia que, por sua beleza, chamava a atenção por onde passava, causando inveja até mesmo em seus próprios irmãos.
Estes decidem armar uma emboscada e tirar a vida da irmã, que ao perceber suas intenções, luta bravamente e acaba matando ambos os irmãos.
Para evitar ser descoberta pelo pai, o pajé da tribo, ela foge. Mas quando é descoberta por ele ela é lançada ao rio conhecido como Rio Negro e Solimões, como forma de castigo.
Se conta que ela foi salva pelos peixes e por ser uma noite de lua cheia, acabou sendo transformada em sereia. Desde então, a sereia seduz os homens e os leva com ela para o fundo do mar, para nunca mais voltar!
Ainda assim, para aqueles que por ventura conseguirem retornar, se conta que já não serão os mesmos. A loucura é tamanha que somente o pajé da tribo ou uma benzedeira são capazes de desfazer o feitiço.
Iara não é uma lenda brasileira?
Segundo o importante estudioso do folclore, Luís Câmara Cascudo, a lenda teria origem europeia, sendo posteriormente adaptada à cultura indígena.
Com traços da mitologia grega e características da cultura portuguesa, estes últimos teriam trazido a estória para o outro lado do Atlântico durante a colonização.
Foi apenas a partir do século XIX que esse mito ficou conhecido da forma como a contamos hoje em dia, já que até a invasão dos portugueses em território indígena não se havia escutado falar em uma lenda com tais características.
Relação com outras religiões
Embora Iara não possa ser considerada como uma das lendas religiosas brasileiras, ela é fortemente representada em outras religiões como o Candomblé e a Umbanda com o nome de Yemanjá.
Esse orixá de origem africana também é conhecida por ser a mãe, deusa ou rainha das águas além de padroeira dos pescadores, os protegendo dos perigos do mar, pois que se acredita que ela tem o poder de decidir o destino daqueles que entram nas águas.
6. Lenda do Tutu
Tutu Marambá, Marabá, Bicho Tutu, Tutu Marambaia, Tutu do Mato, Cambê, Tutu Zambê, Tutu Zambeta ou apenas Zambeta. Esses são os principais nomes dados a essa criatura popular do folclore brasileiro.
O termo Tutu viria de Quitutu do idioma Kimbundu ou Quimbundo, de origem africana que significa “comer”, “papão” ou “ogro”, e também é de onde deriva a palavra que conhecemos como “quitute”.
Na Bahia é descrito como um porco-do-mato por conta da semelhança com o termo caititu, que é a mesma espécie de porco selvagem mencionado na lenda do Caipora.
Tutu é descrito como um monstro de forma desconhecida e de maldade inerente. Ele sequestra crianças que não obedecem ou as come quando estas não querem dormir, além de possuir uma força descomunal e ter fama de brigão.
Por vezes é considerado irmão do Bicho Papão – por isso as características em comum – e do Boi da Cara Preta e parente da Cuca e está presente nas cantigas folclóricas de ninar que tem como objetivo assustar as crianças que não querem dormir.
Ele geralmente se esconde em lugares escuros, como armários, atrás das portas ou embaixo das camas, preparado para devorar as crianças na primeira oportunidade.
Origem das lendas de terror infantil
Se pressupõe que o costume de aterrorizar as crianças que não queriam dormir ou eram desobedientes foi importado pelos europeus e/ou pelos africanos. Na cultura indígena dos nossos antepassados se tinham formas muito mais respeitosas de fazer as crianças pegarem no sono.
As mães indígenas tinham o hábito de pedir ajuda aos pássaros e outros animais como o Iacuturu e Acatipuru com a intenção de fazer seus filhos adormecerem, e cantarolavam versos parecidos com esses:
Acatipuru, empresta teu sono / para meu filho dormir / Iacuturu, empresta teu sono / para meu pequeno filho dormir…
Ainda que profundamente enraizado na sociedade, hoje em dia se espera que essas canções de ninar sejam evitadas. Sabemos que por mais que ainda sejam vistas por uns como uma estratégia de fazer as crianças se sentirem seguras perto da família, podem gerar traumas desnecessários, concorda?
7. Lenda da Cuca
Conta a lenda que esse ser mitológico conhecido como Cuca dorme apenas uma noite a cada sete anos e vive mil anos! Passado esse período, ela se transformaria em um pássaro de canto melancólico e brota de um ovo uma nova Cuca para tomar o lugar da anterior, visando fazer ainda mais maldades que a última.
Representada por uma mulher velha de feições horripilantes, cabelos brancos e corcunda, ela acabou sendo considerada uma bruxa que, impiedosa, sequestra e devora crianças que não se comportam bem, como seu parente, o Bicho Papão.
Protagonista de uma das canções de ninar mais famosas, também utilizada com a intenção de assustar as crianças tagarelas e que não dormem no horário esperado. Diz a lenda que a Cuca fica do lado de fora das casas vigiando aqueles que não dormem, pronta para atacar!
Como indica esse trecho da música:
“Nana neném, que a Cuca vem pegar
Papai foi pra roça, mamãe foi trabalhar”
Cuca pelo mundo
Se estima que sua origem remete à Península Ibérica, onde os portugueses e espanhóis tinham uma cultura similar. Uma lenda de nome Coco ou Coca carrega a principal característica mantida até os dias atuais, de devorar seres humanos e agir de maneira perversa.
Na época da colonização, esse mito veio parar no Brasil, e foi a partir da obra de Monteiro Lobato que ela se popularizou em território nacional. Voltada para o público infantil, essa personagem ganhou corpo e cabeça de jacaré, cabelos loiros e unhas enormes feito garras.
Segundo a obra do autor, ela vive em uma caverna preparando poções mágicas e dando gargalhadas escandalosas sempre que está tramando alguma maldade.
Em 1924 ela também foi retratada por Tarsila do Amaral, uma artista brasileira modernista, numa obra que atualmente se encontra exposta no Museu de Grenoble, na França.
8. Lenda da Mula sem Cabeça
Conta a estória que uma mulher foi amaldiçoada após ter mantido relações íntimas com um padre. Sendo assim, ficou conhecida como “Mulher de Padre” ou “Mula de Padre”, ou “Malora” e “Mula Anima”, em países como México e Argentina, respectivamente.
Não se sabe ao certo o motivo pelo qual a maldição levou esse nome, mas se pressupõe que tenha relação com uma lei do século XIII que previa o uso desses animais como meio de transporte de membros da igreja.
Ao ser castigada pela maldição da Mula sem Cabeça, só é possível se livrar dela se alguém tira os freios dos seus dentes ou a faz sangrar, ainda que seja somente uma gota de sangue. Isso permitiria que ela voltasse à sua forma humana.
Também diz o mito que seria possível evitar que a transformação acontecesse se a mulher fosse amaldiçoada por um padre sete vezes antes do início de uma missa.
Mas uma vez completada a transformação, toda quinta-feira de lua cheia ela se dirige até a uma encruzilhada e se converte na mula com labaredas de fogo saindo da cabeça. Passa por sete povoados e por onde passa se escuta intensamente seus relinchos e lamentações, até o cantar do galo de sexta-feira pela manhã.
Se encontrar com alguém durante esse período, a Mula sem Cabeça pode dar fortes coices capazes de matar, além de chupar os olhos, unhas e dentes de quem cruzar o seu caminho! Mas para evitar ser atacado por ela, tradicionalmente se recomenda deitar de bruços e esconder essas partes do corpo.
O patriarcado está presente nessa lenda brasileira
Pode ser que você esteja se perguntando o motivo pelo qual o padre não foi igualmente castigado. Ainda que haja versões desse mito em que o padre é amaldiçoado invés da mulher, a resposta mais comum encontrada é a de que, chegado o momento, a punição pela quebra do voto de castidade seria aplicada ao padre no plano divino, como era esperado.
Com forte apelo moral e religioso e pautado nas crenças e valores da sociedade europeia da época, mesmo não sendo considerada uma das lendas religiosas brasileiras ela teria tido o intuito de manter o controle das mulheres por meio do medo, fazendo com que elas não tivessem relações sexuais antes do casamento.
9. Lenda do Lobisomem
Essa criatura folclórica mundialmente conhecida chegou ao Brasil através dos portugueses. Ainda assim, tem seu início na Grécia de onde logo se espalhou pela Roma e por toda a Europa.
Essa é uma daquelas lendas brasileiras para jovens e crianças que ao se expandir por continentes tão diferentes, passou a ganhar novas características e é possível notar diferenças entre as versões.
Por exemplo, na versão brasileira se considera que apenas homens podem tornar-se lobisomens, enquanto na lenda portuguesa se encontram registros de mulheres lobas também.
A maldição do Lobisomem
De toda forma, o amaldiçoado pela licantropia se transforma em lobo a cada lua cheia, se alimenta de sangue humano e tem os pelos e as garras afiadas de um lobo, bem como a sua força. Entretanto, ao amanhecer do dia, volta a sua forma humana e se liberta da maldição até a próxima lua cheia.
O lobisomem seria o filho nascido homem após a mãe ter dado a luz a sete filhas mulheres. Este se transformaria pela primeira vez por volta dos seus treze anos, ao entrar na puberdade.
A maldição, que se supõe ser herdada de pai para filho, também é transferida através da mordida. Se a pessoa mordida sobreviver, a partir da próxima lua cheia a maldição será ativada e ela passará a se transformar em lobisomem também.
Acredita-se que ele pode ser morto ao ser atingido por uma bala de prata, ou qualquer outro objeto feito desse material. No Brasil também se difundiu a ideia de que uma bala banhada em cera de vela de um altar também seja capaz de tirar sua vida.
No sul do país, os que se transformavam em lobisomens eram tidos como filhos de incesto. Já no norte, o lobisomem é tido como um homem de saúde debilitada, que encontrava no sangue humano o alimento nutritivo que necessitava.
Em algumas versões, também se conta que o lobisomem vai atrás de crianças não batizadas, o que por sua vez, provavelmente tem relação com a imposição de batismo por parte da Igreja Católica.
10. Lenda do Boto
Geralmente relacionado com a figura do Boto-cor-de-rosa, esse mito gira em torno da transformação dessa espécie de golfinho conhecido como cetáceo. Ele mora nos rios de água doce e muda para a forma humana em datas festivas, como é o caso das festas juninas nos meses de junho.
O simpático e elegante jovem vestido de branco, usa seu chapéu devidamente posicionado para esconder sua verdadeira identidade – já que no topo da sua cabeça se encontra o orifício pelo qual respira – e disfarçar seu nariz grande.
Ao sair do rio já transformado, o personagem tem como finalidade seduzir a moça mais bonita e solteira da festa, ainda que em algumas versões da lenda se comente que ele busca as moças virgens.
Logo, ele precisa convencer a moça acompanhá-lo até a beira do rio, onde passam uma linda noite juntos. Desafortunadamente, o Boto a engravida e a abandona na manhã seguinte para retornar ao rio e nunca mais voltarem a se ver.
Uma vez de volta ao rio, passa seus dias ajudando os pescadores durante a pesca e também na segurança das canoas durante tempestades. Também salva pessoas que estão se afogando e auxilia para que consigam sair da água.
As lendas brasileiras se refletem na cultura do povo
Na Amazônia, onde a lenda está bastante difundida, as crianças filhas de mães solteiras dos quais não se tem notícias do pai são popularmente conhecidas como “filhos do boto”.
Outro costume por essa região é o de os homens tirarem o chapéu e mostrarem o topo da cabeça quando chegam à essas festas típicas, isso para garantir que não se trata de um Boto transformado.
11. Lenda do Negrinho do Pastoreio
Essa é uma das lendas brasileiras curtas surgida no Rio Grande do Sul na época da escravidão no Brasil. Se conta que um menino escravo de apenas catorze anos trabalhava para um rico fazendeiro cuidando do pasto e dos cavalos.
Ao ser acusado de ter perdido um dos cavalos, o fazendeiro ordenou que açoitassem o menino. Após esse episódio, retornou aos pastos em busca do tal cavalo perdido, mas não conseguiu encontrá-lo. de jeito nenhum.
Nessa lenda brasileira, a maldade não tem fim
O fazendeiro querendo castigá-lo ainda mais, amarrou o menino sem roupas sobre um formigueiro. Para a surpresa do patrão, no dia seguinte quando foi conferir a situação se deparou com o menino andando livremente sobre o cavalo baio perdido e sem nenhum ferimento, nem das chibatadas nem das picadas de formiga.
De origem afro-cristã, se sugere que o menino foi salvo pela Virgem Maria, que o protegeu por ser inocente e o levou rumo aos céus.
Aos que acreditam na lenda, se conta que o Negrinho do Pastoreio é o protetor das pessoas que perdem algo e que, quando solicitado, ele ajuda a encontrar o objeto perdido. Como agradecimento, a pessoa deve acender uma vela ou o presenteá-lo com um planta ou flor.
12. Lenda do Corpo-seco
Conta a lenda popular no Sul e Sudeste do país, que esse ser mítico é um defunto que vaga pela terra por não ter sido aceito nem no céu nem no inferno, tendo sido rejeitado tanto por Deus como pelo Diabo.
Nessa lenda que derivou da cultura europeia e foi trazida pelos portugueses, se conta que entre as maldades cometidas pelo sujeito está maltratar e até mesmo matar a própria mãe, por isso a gravidade do castigo.
Por conta das atrocidades que cometeu em vida, nem mesmo a Terra quis digerir sua carne, tornando-o assim, em um morto-vivo, uma espécie de zumbi. Além de tudo, ainda suga o sangue das pessoas que cruzarem seu caminho e pode até matá-las se ninguém chegar a tempo para salvá-las.
Corpo-seco ou Unhudo?
Justamente por ter um corpo que não apodrece e ao mesmo tempo, não se alimenta, sua figura ficou conhecida como corpo-seco, sendo representado apenas como pele e osso. Com unhas e cabelos enormes, já que estes não param de crescer nunca, em algumas regiões ele é conhecido como “Unhudo”.
Essa se considera uma das lendas brasileiras curtas mais terríveis do folclore, e acredita-se que ele se mantém próximo dos locais por onde viveu, embora alguns pensem que ele vaga por lotes vazios e encruzilhadas.
13. Lenda do Papa-figo
Popularmente conhecido como “Velho do Saco Preto” ou apenas “Velho do Saco”, essa definitivamente não é uma daquelas lendas brasileiras que ninguém conhece!
Essa é a estória de um homem muito rico que sofria de uma doença conhecida hoje em dia como Mal de Hansen, Hanseníase ou Lepra tenta se curar da doença comendo fígado de crianças e bebendo seu sangue, daí o nome da lenda.
Por conta da doença, sua aparência teria se tornado assustadora! Alto e extremamente magro e pálido, algumas versões também mencionam que ele teria garras e orelhas que nunca deixavam de crescer, além de dentes de vampiro.
Cuidado com o Velho do Saco
Após consumir o fígado das crianças, deixava a barriga da vítima cheia de dinheiro como forma de compensar o luto e arcar com os custos do enterro.
Alguns acreditam que o próprio Papa-figo sequestrava essas crianças enquanto outras sugerem que ele tinha vários escravos que, em busca da sua própria liberdade, saíam pelas ruas em busca de crianças para fazer o trabalho sujo.
O Velho do Saco, seja quem for, atrai as crianças oferecendo doces, brinquedos ou moedas. Se mostra como alguém simpático e amigável e pode estar presente em qualquer lugar onde haja criança.
Por isso, se costuma contar às crianças essa estória como forma de alertá-las para o perigo de falar com estranhos.
14. Lenda da Pisadeira
Essa certamente é uma das lendas brasileiras desconhecidas do folclore, já que geralmente não se encontra na lista das mais famosas, mas com certeza é uma das mais aterrorizantes.
Diz a lenda que durante a noite, ao dormir de barriga cheia, a Pisadeira se detém acima do estômago e peito das vítimas, deixando-as sem ar e causando a sensação semelhante a paralisia do sono, quando o indivíduo está consciente mas seu corpo não é capaz de se mexer, o que gera grande desespero.
Espero que você ainda consiga dormir depois dessa!
Ainda que descrita com pernas curtas, o que pode supor uma baixa estatura, essa mulher possui uma força sobrenatural, e solta uma risada maléfica e assustadora ao deixar a vítima completamente paralisada e sem conseguir reagir contra o ataque.
De aparência esquelética, queixo e nariz pontiagudo, olhos arregalados da cor do fogo, dedos compridos e unhas enormes e sujas, assim como seus dentes e cabelos revoltos, ela vive pelos telhados das casas esperando a oportunidade para entrar.
Para evitar que ela apareça, diz a lenda que é necessário esfregar os pés três vezes um no outro antes de dormir. Vale a tentativa, o que você acha?
15. Lenda da Mãe do Ouro
Essa é uma das lendas brasileiras desconhecidas do folclore que vai te impressionar! Esse mito tem origem durante o século XVIII, no chamado Ciclo do Ouro, principalmente nos estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul, locais relacionados a abundância desse material.
Se conta que a Mãe do Ouro tem o poder de voar e sabe exatamente a localização de todos os tesouros escondidos. Ela é representada como uma bola de fogo que pode ou não transformar-se em uma linda mulher de cabelos longos e louros que usa vestido de seda branco.
Ainda que seja uma das lendas brasileiras pequenas, também pode ser considerada um símbolo de defesa contra as mulheres maltratadas pelos maridos. Isso porque a Mãe do Ouro costuma atrair esses maridos abusadores para longe de casa e os tranca nas cavernas para sempre.
Além disso, também se encarrega de apresentar um novo marido para as esposas desamparadas e até então, infelizes.
Outras versões da mesma lenda brasileira
Outra versão da mesma lenda menciona a estória de um escravo que trabalhava em busca de ouro para seu senhor. Após longos dias sem encontrar nada e aflito ao imaginar a reação do patrão, se depara com a moça iluminada à sua frente, que decide mostrar o caminho para uma jazida de ouro.
Como pagamento, ela solicitou que ele a presenteasse com um espelho brilhante e fitas coloridas, e prometer não contar para ninguém a fonte do ouro.
Ele jurou que não o faria, entretanto, quando seu patrão percebeu a quantidade de ouro que ele havia trazido, quis saber a origem da mina.
Após ser repetidamente açoitado, ele pediu permissão para a Mãe do Ouro que permitiu que ele os levasse até a mina.
Chegando lá, o patrão e demais escravos escavaram por horas e não encontraram nada. Mas antes de terem a oportunidade de sair de dentro da caverna, a mina desabou e todos os que estavam ali, com exceção do escravo açoitado, morreram soterrados.
Essa é mais uma daquelas lendas brasileiras que ninguém conhece e que te surpreendem com o desfecho, e com ela finalizamos nossa lista de lendas do folclore brasileiro.
Também existem muitas lendas urbanas brasileiras folclore bem conhecidas, mas falaremos especificamente delas em outra oportunidade.
Algumas das estórias e lendas brasileiras do folclore descritas nesse artigo, em diversos momentos foram adaptadas para a literatura ou cinema. O caso mais recente o da série Cidade Invisível.
Ao trazer novas perspectivas e remodelar as principais lendas brasileiras para jovens, a série deslocou o foco do público infantil e chamou a atenção desse novo público. Retratando as lendas do folclore brasileiro como o Saci-pererê, Caipora, Iara, Boto-cor-de-rosa, Cuca entre outras de maneira muito interessante.